Com o estudo, é possível coletar e analisar variações encontradas no DNA de pacientes baianos, tendo em vista que a base de dados é norte-americana e europeia

Uma pesquisa inédita desenvolvida no Centro de Biotecnologia e Terapia Celular (CBTC) e apoiada pela Fundação Maria Emília (FME) tem proporcionado um maior entendimento sobre as bases genéticas e os mecanismos celulares envolvidos no desenvolvimento do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Com o
resultado do estudo, pacientes do SUS poderão ser beneficiados.

A pesquisa baiana se destaca frente à literatura sobre genética e autismo disponível, que na maioria é da América do Norte e Europa, em populações caucasianas, e não representam exatamente a realidade étnica do Brasil, principalmente da Bahia.

Nos últimos anos, um grande número de variantes em diferentes genes tem sido associado estatisticamente com o aumento do risco para o Transtorno do Espectro Autista. Com esse estudo, é possível analisar quais variações encontradas no DNA desses pacientes podem estar relacionadas ao quadro clínico.

O projeto foi iniciado em 2021, utilizando duas abordagens principais para contribuir para a inclusão de dados sobre as variantes gênicas de risco para TEA em populações afrodescendentes e miscigenadas, e a necessidade de melhor entendimento sobre as consequências dessas variantes no desenvolvimento e funcionamento do cérebro.

No primeiro momento, os pesquisadores coletam dados clínicos e histórico familiar dos participantes e então coletam amostras para análise da sequência do DNA. Apesar de ser uma técnica recomendada como parte da investigação clínica dos pacientes com autismo, o exame de sequenciamento ainda não está disponível na rede pública.

Pesquisa beneficiará pacientes do SUS
“Através desta pesquisa, há a disponibilização dos resultados dessa análise para os pacientes do SUS, assim como a coleta desses dados para que possamos conhecer a genética da nossa própria população”, destaca Bruno Solano, médico e pesquisador apoiado pela FME, cientista do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino e da Fiocruz-BA.

Ele complementa: “acreditamos que nossa população precisa estar representada para que possa ser beneficiada pelos resultados desse estudo no futuro, uma vez que não existe o acesso a este exame na rede pública”.

Além de promover maior representatividade e acesso, os pesquisadores têm buscado correlacionar, na segunda abordagem do projeto, a influência de fatores genéticos na formação do cérebro, em estudos no laboratório envolvendo cultura de células-tronco obtidas de pacientes com TEA.

“Não basta apenas identificar genes e variantes, mas hoje é necessário compreender mais sobre a neurobiologia do TEA e de que modo esses genes e variantes podem estar influenciando no desenvolvimento do cérebro”, aponta o pesquisador.

Em 2023, foi concluída a inclusão dos participantes no estudo do CBTC e apoiado pela FME. Agora, a pesquisa está na fase de análises dos dados de sequenciamento.

Transtorno do Espectro Autista
O Transtorno do Espectro Autista (TEA), condição neurológica que compromete a comunicação e interação social do indivíduo em diversos níveis, ainda é um desafio para cientistas que visam entender o que faz uma pessoa ter mais propensão a desenvolver esse distúrbio do neurodesenvolvimento.

O TEA atinge de 1% a 2% da população mundial e, no Brasil, a estimativa é que aproximadamente dois milhões de pessoas tenham essa condição, conforme dados do IBGE. Não é possível indicar uma causa única para o transtorno, mas evidências científicas apontam a genética e o ambiente como fatores
importantes.

O transtorno afeta indivíduos desde a infância, gerando uma condição permanente, com danos significativos na vida dos pacientes e familiares, sobretudo devido ao alto custo dos tratamentos e cuidados especiais envolvidos.

O apoio concedido pela FME permitiu produzir e caracterizar as células-tronco de pluripotência induzida de seis indivíduos e iniciar os estudos envolvendo produção de neurônios e organoides cerebrais (minicérebros).

Este tipo de estudo é também relevante por haver uma crescente necessidade de desenvolvimento de medicamentos para melhorar a sintomatologia associada ao TEA. Ainda se faz necessário uma maior compreensão dos mecanismos envolvidos na neurobiologia do TEA para que seja possível a identificação e validação de alvos terapêuticos.

Os conhecimentos e modelos estabelecidos neste projeto poderão, no curto prazo, ser aplicados em um ensaio de triagem farmacólogica para TEA como elevado potencial para inovação, desenvolvimento tecnológico, com possível impacto futuro de tratamento personalizado.

Público-alvo
Crianças e adolescentes podem apresentar vários quadros clínicos, tendo em vista que o Transtorno do Espectro Autista tem diversas variações. Na primeira fase do estudo de análise genética (sequenciamento do exoma completo), foram incluídas 100 crianças e adolescentes com TEA, provenientes da cidade de Salvador e do interior da Bahia, com baixo nível socioeconômico.

O número de pacientes participando do estudo é expressivo no contexto do Brasil, mas ainda é pequeno se comparado com os dados disponíveis internacionalmente. A intenção é que a pesquisa alcance mais pessoas e que as conclusões possam ter impactos ainda maiores. Além de fornecer informações sobre o genoma de cada paciente envolvido, a pesquisa contribui para o conhecimento mundial sobre a doença, ao incluir no banco de dados internacional o perfil genético da população baiana.