Artigo de Juliana Farhat, bolsista apoiado pela FME no Master of Public Health (MPH) da Johns Hopkins University

Lúpus, ou lúpus eritematoso sistêmico (LES), é uma doença autoimune crônica inflamatória sistêmica caracterizada pela agressão do sistema imunológico a tecidos e órgãos saudáveis. Fatores ambientais são cada vez mais reconhecidos como contribuintes significativos para o desenvolvimento e agravamento do lúpus. Entre esses, a poluição do ar e a exposição a produtos químicos são especialmente preocupantes.

O material particulado fino (PM2,5) é o nome dado a partículas inaláveis com diâmetro de 2,5 micrômetros ou menos, enquanto o material particulado (PM10) se refere a partículas com diâmetro de até 10 micrômetros.1 Devido ao seu tamanho diminuto, ambas são pequenas o suficiente para serem inaladas e distribuídas nas vias aéreas, sendo as de diâmetro menor profundamente depositadas nos pulmões, de onde podem passar para circulação sanguínea,  trazendo sérios riscos à saúde humana. 1 As principais fontes de PM2,5 incluem emissões de veículos com queima de combustíveis fosseis, processos industriais, queima de biomassa e fenômenos naturais, como incêndios florestais. Já as partículas PM10,  por serem ligeiramente maiores e poderem alcançar as vias respiratórias superiores, são frequentemente originadas pela poeira de construção e de estradas não pavimentadas, emissões de veículos, queima de biomassa e cinzas de erupções vulcânicas.1

Este material particulado está associado ao LES, conforme indicado por vários estudos. É provável que exista uma interação entre predisposição genética e poluição do ar, que, conjuntamente, aumentam o risco de desenvolver a doença.2-7

A poluição do ar também é conhecida por aumentar complicações e comorbidades em pacientes diagnosticados com LES. Pesquisas na China, por exemplo, mostraram uma forte associação entre a exposição de longo prazo ao PM2.5 e a nefropatia membranosa, sugerindo que a poluição do ar pode exacerbar ou contribuir para a nefrite relacionada ao lúpus.2 Além disso, a presença de material particulado foi associada ao aumento da produção de espécies reativas de oxigênio e nitrogênio, resultando em estresse oxidativo e inflamação que podem desencadear ou agravar reações autoimunes em pacientes com lúpus.3 Finalmente, um estudo recente revelou que exposições a altos níveis de poluentes como PM2,5, SO2 e monóxido de carbono aumentaram substancialmente o risco de hospitalização para pacientes com LES.8

Flutuações nos níveis de PM2.5 e na temperatura também estão fortemente relacionadas com exacerbações específicas de órgãos no lúpus.9 Com o aquecimento global, eventos climáticos extremos e um aumento geral da temperatura tornam-se mais frequentes, contribuindo para elevações na ocorrência de temperaturas extremas. Essas condições podem desencadear, segundo estudos, erupções, dores nas articulações e outros sintomas, destacando a importância de reconhecer fatores ambientais para prever e gerenciar a atividade do lúpus na atualidade.9

Além da poluição atmosférica, certos produtos químicos, como pesticidas e solventes industriais, também contribuem para o desenvolvimento ou agravamento do lúpus, como demonstrado por diversos estudos3

Pesquisa realizada por Williams e colegas integram tais constatações, ao identificar que a exposição a pesticidas residenciais, particularmente de dedetizadores contra formigas, baratas ou cupins, está significativamente associada a um risco maior de LES.11 Simoniello e colegas, por sua vez, descobriram que a exposição a pesticidas em áreas rurais, especialmente entre pacientes com lúpus, resulta no aumento de marcadores de estresse oxidativo, como catalase e superóxido dismutase, potencialmente agravando a atividade do lúpus.10 Outro estudo também destacou que viver em áreas agrícolas, com exposição constante a pesticidas, aumenta as chances de diagnóstico de LES.12

Além disso, diferentes misturas de produtos químicos podem agravar a doença por meiode vários caminhos biológicos, aumentando a resposta autoimune e levando a danos adicionais aos tecidos saudáveis.3 Por exemplo, pesticidas organoclorados e organofosforados foram identificados como possíveis desencadeadores de respostas inflamatórias e disfunções imunológicas.3 Outras pesquisas indicam uma forte associação entre a exposição a pesticidas e danos oxidativos ao DNA em pacientes com LES, demonstrando que aqueles que vivem em áreas rurais pulverizadas com pesticidas têm 3,5 vezes mais probabilidade de apresentar danos oxidativos ao DNA do que os que vivem em áreas urbanas.10 Esses danos incluem a redução dos níveis de antioxidantes no corpo, resultando em estresse oxidativo e inflamação, o que pode agravar os sintomas.3

 

Outros Fatores Ambientais

Parks e colegas destacaram ainda outros fatores ambientais que contribuem para a patogênese do LES.7 A exposição a substâncias perfluoroalquil e polifluoroalquil (PFASs), como o ácido perfluoroundecanóico (PFUnA), foi associada a um aumento de quase três vezes no risco de LES em um estudo de caso-controle recente.13 As PFASs, também conhecidas como “substâncias químicas eternas,” são um grupo de produtos químicos sintéticos que incluem perfluorooctanoato (PFOA) e perfluorooctanossulfonato (PFOS), entre outros.14,15 São amplamente utilizadas em produtos industriais e de consumo devido à sua resistência ao calor, água e manchas.14

Essas substâncias são encontradas em itens como revestimentos antiaderentes para utensílios de cozinha, embalagens para alimentos, tecidos impermeáveis, espumas para combate a incêndios e produtos de limpeza industrial.14,15 Devido à sua alta persistência no ambiente e no corpo humano, as PFASs têm sido associadas a diversos problemas de saúde, incluindo distúrbios imunológicos, doenças hepáticas e aumento do risco de certos tipos de câncer. No caso do lúpus, as PFASs ativam inflamação por meio do sistema imunológico inato, com uma relação dose-resposta, onde maiores concentrações de PFASs se correlacionam com um risco maior de LES.13

A evidência epidemiológica mais forte aponta a exposição à sílica cristalina e ao cigarro como um dos principais fatores de risco para o lúpus.7 Já o uso de tabaco, que não deixa de ser uma fonte conhecida de poluição do ar, também foi diretamente associado ao surgimento de sintomas do LES.8 Lerang e colegas descobriram que pessoas que fumam têm maior propensão a desenvolver LES em comparação com aqueles que não fumam, especialmente se considerarmos os sintomas iniciais, ressaltando o uso de tabaco como um outro potencial gatilho ambiental para o lúpus.8

Da mesma forma, os fumos de solda, os solventes e a radiação ultravioleta (UV) têm efeitos adversos na função imunológica, desencadeando respostas autoimunes relacionadas ao lúpus.4,7 Particularmente, a exposição a fumos de solda foi comprovada como geradora de mudanças significativas na via lipídica e nos níveis de glicocorticoides, indicando uma resposta inflamatória sistêmica associada ao LES.4

 

REFERÊNCIAS

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  2. Gawda, A., Majka, G., Nowak, B., & Marcinkiewicz, J. (2017). Air pollution, oxidative stress, and exacerbation of autoimmune diseases. Central European Journal of Immunology, 42(3), 305–312. https://doi.org/10.5114/ceji.2017.70975
  3. Xu, X., Wang, G., Chen, N., Lu, T., Nie, S., Xu, G., Zhang, P., Luo, Y., Wang, Y., Wang, X., Schwartz, J., Geng, J., & Hou, F. F. (2016). Long-term exposure to air pollution and increased risk of membranous nephropathy in China. Journal of the American Society of Nephrology, 27(12), 3739–3746. https://doi.org/10.1681/ASN.2016010093
  4. Shen, S., Zhang, R., Zhang, J., Wei, Y., Guo, Y., Su, L., Chen, F., & Christiani, D. C. (2018). Welding fume exposure is associated with inflammation: A global metabolomics profiling study. Environmental Health, 17(68), 1-9. https://doi.org/10.1186/s12940-018-0412-z
  5.  Hu, H., Yang, X., Chen, Q., Huang, X., Cao, X., Zhang, X., & Xu, Y. (2024). Causal association between air pollution and autoimmune diseases: a two-sample Mendelian randomization study. Frontiers in Public Health, 12, 1333811. https://doi.org/10.3389/fpubh.2024.1333811
  1. A Stojan, G., Kvit, A., Curriero, F., & Petri, M. (2019). Environmental and atmospheric factors in systemic lupus erythematosus: A regression analysis. Lupus Science & Medicine, 6(Suppl 1), A215-A216. https://doi.org/10.1136/lupus-2019-lsm.297
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  2. Lerang, K., Garen, T., Gilboe, I. M., & Gran, J. T. (2019). Development of systemic lupus erythematosus symptoms is associated with cigarette smoking. Lupus Science & Medicine, 6(Suppl 1), A70. https://doi.org/10.1136/lupus-2019-lsm.94
  3. Stojan, G., Kvit, A., Curriero, F., & Petri, M. (2019). Environmental and atmospheric factors in systemic lupus erythematosus: A regression analysis. Lupus Science & Medicine, 6(Suppl 1), A215-A216. https://doi.org/10.1136/lupus-2019-lsm.297
  4. Simoniello, M. F., Kleinsorge, E. C., Scagnetti, J. A., Grigolato, R. A., & Poletta, G. L. (2010). Oxidative DNA damage in systemic lupus erythematosus patients with long-term exposure to pesticides. Journal of Toxicology and Environmental Health, Part A, 73(15), 1007-1019. https://doi.org/10.1080/15287394.2010.482862.
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  6. Li, J., Trupin, L., Gianfrancesco, M. A., Lanata, C., Katz, P., Dall’Era, M. C., Yazdany, J., & Stojan, G. (2019). Residential exposures are associated with increased odds of SLE diagnosis. Lupus Science & Medicine, 6(Suppl 1), A1-A227. https://doi.org/10.1136/lupus-2019-lsm.257.
  7. He, Y., Qu, C., Tian, J., Miszczyk, J., Guan, H., & Huang, R. (2023). Association of Perfluoroalkyl and polyfluoroalkyl substances (PFASs) exposures and the risk of systemic lupus erythematosus: a case–control study in China. Environmental Health, 22(78). https://doi.org/10.1186/s12940-023-01019-1.
  8. Centers for Disease Control and Prevention. (n.d.). Per- and Polyfluorinated Substances (PFAS) factsheet. https://www.cdc.gov/biomonitoring/PFAS_FactSheet.html#print
  9. Steenland, K., & Winquist, A. (2021). PFAS and cancer: A scoping review of the epidemiologic evidence. Environmental Research, 194, 110690. https://doi.org/10.1016/j.envres.2020.110690