Artigo de Mauro Razuk Filho, bolsista apoiado pela FME no Master of Public Health (MPH) da Johns Hopkins University
A globalização é um fenômeno complexo e abrangente, caracterizado pelo crescente movimento de bens, tecnologias, serviços, trabalho, capital e culturas em uma escala global.[1],[2] Este processo promove a interconexão e interdependência entre as diversas regiões do mundo, resultando na integração das atividades econômicas, políticas, sociais e culturais.2,[3] Além de facilitar o comércio internacional e a circulação de informações, também influencia as políticas governamentais, os padrões de consumo, as tecnologias emergentes e as relações internacionais.1,3 Embora tenha contribuído para o aumento da prosperidade econômica em muitas partes do mundo, a globalização também levanta questões sobre desigualdade, preservação cultural e sustentabilidade ambiental, destacando a necessidade de abordagens equilibradas e políticas que considerem seus impactos multifacetados.1,[4]
Saúde pública, conforme definida por C.E.A. Winslow, é descrita como “a ciência e a arte de prevenir doenças, prolongar a vida e promover a saúde por meio de esforços organizados e escolhas informadas da sociedade, organizações, comunidades públicas e privadas, e indivíduos.”[5]
Percebemos que o processo de globalização da saúde pública resultou no desenvolvimento de estratégias mais abrangentes e colaborativas para enfrentar desafios de saúde em escala mundial.[6] Críticos do processo de globalização afirmam que este tende a subestimar a habilidade dos governos em abordar questões internas sem violar tratados ou regulamentações internacionais.6 Além disso, observam que uma economia globalizada está mais suscetível a choques externos. No entanto, é imperativo ressaltar que a globalização também traz benefícios ao crescimento econômico mundial, ao promover a integração de capital e a redução de restrições.[7]
A história da saúde pública moderna tem suas origens nas quarentenas implementadas por vários Estados europeus durante a epidemia de peste bubônica que assolou o continente no século XIV.6,[8] No entanto, apenas na segunda metade do século XIX é que se iniciaram os processos de cooperação internacional para controlar os riscos à saúde.6 Em 1851, ocorreu no Cairo, Egito, a primeira conferência global sobre a cólera, oficialmente inaugurando uma nova era de cooperação em saúde.8 Nesse período, observamos uma transição na governança da saúde, movendo-se de uma abordagem nacional para a internacional, culminando na criação de instituições globais, mais notadamente a Organização Mundial da Saúde (OMS), ao término da II Guerra Mundial.6 Sob uma liderança unificada e com objetivos claros, a globalização da saúde pública levou, por exemplo, à erradicação da varíola em 1977, e à criação de mecanismos para erradicar o tabagismo, como a Convenção-Quadro para Controle do Tabaco, em 2003.8
Com o crescente processo de integração na economia global e o aumento da mobilidade de pessoas e mercadorias, observamos uma disseminação mais ampla de doenças.[9] Para compreender esse fenômeno, é interessante notar que a Gripe Espanhola levou cerca de um ano para se tornar uma pandemia, enquanto a COVID-19 alcançou esse status em apenas três meses.9 Isso ressalta a rapidez com que as condições globalizadas atualmente facilitam a disseminação de patógenos em escala mundial.9 Contudo, é inegável que, à semelhança da rápida disseminação da COVID-19, as vacinas também foram distribuídas com agilidade.9 Devido à colaboração entre cientistas e instituições governamentais e privadas em todo o planeta, as primeiras vacinas efetivas foram criadas ao final de 2020.9 Já no início de 2022, aproximadamente 60% da população global já havia recebido pelo menos uma dose de vacina.9 Essa conquista destaca a eficácia e a colaboração generalizada na resposta à pandemia.
Nos últimos 150 anos, ocorreram notáveis transformações na ordem global, influenciando diretamente a esfera da saúde. Nesse contexto, autores como Woodward et al. (2001) e Huynen et al. (2005) propuseram modelos que oferecem quadros conceituais abrangentes para entender as interações complexas entre globalização e saúde.[10],[11] Ambos destacam a influência econômica da globalização, examinando fatores como fluxos transfronteiriços, regras globais, instituições, desenvolvimentos tecnológicos e pressões econômicas.10,11 Woodward et al. enfatizam a relação circular entre esses elementos e a importância da economia doméstica na determinação do estado de saúde, enquanto Huynen et al. exploram uma ampla gama de dimensões, incluindo serviços de saúde, ambiente social, estilo de vida, ambiente físico e segurança alimentar e hídrica.10,11 Ambos os modelos, de maneira geral, reconhecem a natureza multifacetada da globalização e destacam a interconexão entre diversos fatores, concluindo que uma economia global saudável é crucial para o financiamento de sistemas de saúde.10,11
Em suma, a interconexão entre globalização e saúde pública ressalta a importância de abordagens equilibradas que considerem os múltiplos impactos dessa dinâmica complexa. O desafio é otimizar os benefícios da globalização, ao mesmo tempo em que se enfrentam desigualdades, preservam culturas e garantem sustentabilidade ambiental, para promover uma saúde global mais robusta e equitativa.
Referências
[1] Wolf, M. (2004). Why globalization works. New Haven and London: Yale University Press.
[2] Rennen, W., & Martens, P. (2010). The Globalisation Timeline. Accessed August 23, 2019, at https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1076/iaij.4.3.137.23768
[3] Lindsey, B. (2002). Against the dead hand: The uncertain struggle for global capitalism. New York: John Wiley & Sons, Inc.
[4] Metzger, J-L. (2006). Accessed August 23, 2019, at https://philippepierre.com/website/wp-content/uploads/2018/12/Martin-et-al..pdf
[5] Winslow, C.-E. A. (1920). The untilled field of public health. Mod Med, 2, 183–191. Image source: Fisher, I. F., & Fisk, E. L. (1916). How to live: Rules for healthful living based on modern science (9th ed.). Funk & Wagnalls. Public domain. 4
[6] Fidler D. P. (2001). The globalization of public health: the first 100 years of international health diplomacy. Bulletin of the World Health Organization, 79(9), 842–849.
[7] Axel Dreher (2006) Does globalization affect growth? Evidence from a new index of globalization, Applied Economics, 38:10, 1091-1110, DOI: 10.1080/00036840500392078
[8] Tulchinsky, T. H., & Varavikova, E. A. (2014). A History of Public Health. The New Public Health, 1–42. https://doi.org/10.1016/B978-0-12-415766-8.00001-X
[9] Jeanne, L., Bourdin, S., Nadou, F., & Noiret, G. (2023). Economic globalization and the COVID-19 pandemic: global spread and inequalities. GeoJournal, 88(1), 1181–1188. https://doi.org/10.1007/s10708-022-10607-6
[10] Woodward, D., Drager, N., Beaglehole, R., & Lipson, D. (2001). Globalization and health: a framework for analysis and action. Bulletin of the World Health Organization, 79(9), 875–881.
[11] Huynen, M. M., Martens, P., & Hilderink, H. B. (2005). The health impacts of globalization: a conceptual framework. Globalization and health, 1, 14. https://doi.org/10.1186/1744-8603-1-14